terça-feira, 6 de julho de 2010

Reparação

[...] Mostrou seu bilhete e passou, mergulhando na luz amarelenta do metrô, tomou a escada rolante barulhenta, começou a descer, sentindo a brisa artificial que vinha do túnel negro, o hálito de um milhão de londrinos a refrescar seu rosto e repuxar-lhe a capa. Permaneceu parada, sendo atraída para baixo pela escada, aliviada por não ter de machucar o calcanhar ainda mais. Deu-se conta, surpresa, de que estava tranqüila, apenas um pouco triste. Será decepção’’ Naturalmente, não esperava que a perdoassem. O que sentia era mais saudade de casa, embora não houvesse uma fonte para isso, uma casa de que tivesse saudade. Mas estava triste por separar-se de sua irmã. Era de sua irmã que tinha saudade — ou, mais precisamente, de sua irmã com Robbie. O amor deles Nem Briony nem a guerra o haviam destruído. Era essa idéia que a tranqüilizava à medida que ia descendo cada vez mais fundo sob a cidade. O modo como Cecília o puxara para si com seu olhar. Aquela ternura na sua voz quando ela o arrancara de suas lembranças, de Dunquerque ou das estradas que o levaram até lá. Antigamente ela falava com Briony assim. Às vezes — no tempo em que Cecília tinha dezesseis anos e ela era uma criança de seis —, se alguma catástrofe acontecia Ou durante a noite, quando Cecília vinha salvá-la de um pesadelo e a levava para sua cama. Eram essas as palavras que ela dizia. Passou. Foi só um sonho. Passou, Briony. Como fora fácil esquecer esse amor familiar, espontâneo. Agora ela estava atravessando aquela luz espessa e pardacenta, já quase chegando ao fundo. Não havia outros passageiros à vista, e o ar de repente se imobilizou. Ela estava calma, pensando no que tinha de fazer. A carta para os pais e a declaração formal, ela as escreveria rapidamente. Então estaria livre o resto do dia. Sabia o que se exigia dela. Não apenas uma carta, mas um novo rascunho, uma reparação, e ela estava pronta para começar. [...]

Trecho do livro:Reparação - Ian McEwan - Companhia das Letras

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